segunda-feira, 13 de abril de 2009

Ardilheiro

Há quase seis anos que vivemos em Ardilheiro, ao pé do Pico Sacro. Foi uma volta à pátria do teimoso clã dos Pelaios.
Pela minha avó Maria, a Madrinha, a Rulinha dos meus cinco anos, somos Pelaios. Isto quer dizer que a sua mãe, a bisavó Josefa nasceu em Gastrar – outra paróquia deste concelho que agora habito -, que o irmão da sua mãe - o tio-bisavô André - veio viver para esta aldeia de Ardilheiro, que aqui nasceu a tia Consuelo – prima da minha avô - e que aqui e em Gastrar e em Compostela e em Buenos Aires e Caracas... e no mundo, mora esse empenho de fazer e continuar e ganhar partida a medos e obstáculos.
Conheci nos meus onze anos o que significa ser Pelaio. Esse mesmo dia descobri também a magia das covas do Pico: deitar uma pedra e não esconder a mão, aguardar com o ouvido acordado o som da água, da distância, da profundidade.
Nessa tarde cheguei a Ardilheiro para umas horas apenas. Lembro a imagem do coelhinho que a tia Consuelo queria dar-me, a sua meiguice, a força das mulheres grandes da família e o odor a erva e madeira deste campo.
Com trinta e três anos e dois filhos voltei. Demos nome de Terra Verde a esta casa da Zanquinha e eu passei a ser Iolanda da Zanquinha, a Mestra, Iolanda da Terra Verde, e vai saber quem…, mas sempre parte desta estirpe. Voltei e achei também vizinhos e amigos, casas abertas na casa nossa, arquitecturas da aldeia e da grei da que quero fazer parte, e entre todos, descobri Isabel.
Isabel é a voz da memória e a força da persistência, uma vontade que viaja além da dor do corpo. Isabel é a magia colectiva, a história maravilhosa deste agro com horizonte de águas e de seixo.
Foi ela quem me contou dos fenómenos que nestes lugares acontecem, advertindo-me sobre um vizinho que namorava com a natureza não apenas humana, mas também animal, e que deixara uma porca adornada com uma rolada boa de criaturas, a metade com rosto de porquinho e a outra metade com rosto de cristão. Quando perguntei pelo destino e fama daquelas criaturas híbridas, a nossa cronista respondeu, com a mais pura lógica, que bico humano não pode mamar de teta de porca e leva ao seu dono a morte certa caso de nascer de semelhante mãe.
Naquele então eu estava a chegar ainda a Ardilheiro e apenas suspeitei verdade via Macondo. Agora sei que estas coisas acontecem.
Há tempo que morreu o suposto pai daquelas criaturas.
Uns morrem. Outros nascem… Vivemos.

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